Terça-feira, 28 de Agosto de 2007
Para que se mantenha viva a memoria
VASANTE
Maré baixa, com lodo e penedias.
Quando a fúria abandona o criador,
Que vazias
As formas!
Que diluída, a cor!
Porque não vem a onda que avassala
E traz o azul à praia, a melodia
Dum coração que bate sem sossego?
Maré cheia – um poema que se lesse
Numa folha espalmada de horizonte,
E fosse a sede e a fonte
De não sei que amargura se sofresse…
Génio!
Vento do céu, anónimo, invisível,
Porque não sopras sobre o corpo morto
Do gigante cansado?
Que triste é o mar despido e adormecido!
E estes ossos sem carne, que pecado!
MIGUEL TORGA, Diário V, 1974